segunda-feira, 21 de março de 2011

SOCIEDADE MUNDIAL DO GÊNERO HUMANO?

     


“Se eu soubesse de algo que  fosse útil a mim, mas prejudicial à minha família, eu o rejeitaria de meu espírito.
      Se soubesse de algo útil à minha família, mas não à minha pátria, procuraria esquecê-lo.
Se soubesse de algo útil à minha pátria, mas prejudicial à Europa, ou então útil a Europa, mas prejudicial ao Gênero Humano, consideraria isto como um crime.”
                  (Montesquieu)




          Quando o Brasil foi descoberto ainda vigia o uso geopolítico da força colonialista. Impérios desembarcavam em terras estrangeiras e massacravam seus nativos. Velhos, mulheres e crianças não eram poupados. Civilizações inteiras foram dizimadas, como as pré-colombianas.
          Cinco séculos depois, quando o homem mais poderoso do mundo, Obama, pisou nas terras brasileiras o mundo está mudado. O poderoso chefe de estado foi visitar a favela, abraçar crianças e rendeu homenagens ao povo brasileiro. Sim, a força dos impérios ainda é utilizada e foi, inclusive, autorizada do Brasil pelo Presidente dos EUA para intervenção militar na Líbia.
          Mas no discurso feito ao povo brasileiro, há uma mensagem histórica: estamos convergindo para uma nova forma de poder global.
          Dúvida não há que por trás do simpático discurso americano há interesses econômicos e geopolíticos[1] e o império tem interesse na manutenção do sistema. No entanto, há outro discurso, implícito, embutido nas entrelinhas da fala principal, que reconhece a inevitável ascensão de forças políticas multipolares e a profunda crise do sistema.
          Tem-se utilizado da expressão nova ordem mundial para identificá-la. E não faltam desconfianças e protestos[2]. Argui-se que essa expressão é a síntese de uma orquestração mundial das elites imperialistas para aniquilar a soberania dos países, acessar as riquezas nacionais e dominar o mundo.
          Todo estudioso sério da crise ambiental sabe que estamos rumando, perigosamente, para o colapso de vários ecossistemas e recursos naturais. Sob este aspecto, não é sensato subestimar a cultura colonialista dos impérios e a capacidade de manipulação do sistema.
          Contudo, teorias conspiratórias geralmente são afetadas por percepções tortas, supersticiosas e fundamentalistas. Então, também aqui a cautela é razoável.
          Convém ficar – apesar de tudo – atento ao que Fábio Konder Comparato chama de Sociedade Mundial do Gênero Humano, que refletiria o ideal aristotélico de polis como comunhão (koinonia) e não como mero agrupamento humano, onde o interesse global e coletivo prevalece sobre o particular e local. O profícuo jurista e pensador não só vê esta tendência, mas também a deseja como única saída para as gigantescas crises que aldeia global vai enfrentar nesta época de transição.
          Fato é que o discurso de Obama pode ser um marco desta nova Sociedade Mundial do Gênero Humano, porque tem como pressuposto filosófico – e até este momento eminentemente teórico - a igualdade dos povos, já declamada por Martin Luther King Jr, que o inspira. Não por acaso que o Brasil foi escolhido para o discurso, por representar a miscigenação dos povos, uma democracia vigorosa, uma cultura exuberante e a tolerância religiosa. Ele não falou apenas ao povo brasileiro, falou ao mundo. As citações de autores brasileiros e a remissão a fatos locais têm por o objetivo psicológico provocar a sensação de proximidade, de intimidade, tal como membros de uma mesma família, a universal. E, se for assim, talvez estejamos presenciando o início gestacional de um novo paradigma, de um sonho arquétipo de povo único, ainda distante, mas cuja fundação pode ter iniciado por aqui.



[1] A China passou a ser o primeiro parceiro comercial do Brasil, superando os EUA. A aproximação com o Brasil visa retomar o posto e também um alinhamento na política externa, para fazer frente à força chinesa e fomentar um afastamento de governos belicistas. Por outro lado, Obama não veio apenas ofertar carisma. Veio, antes, receber e se beneficiar do carisma e simpatia que o Brasil goza em todo mundo. Enquanto os EUA é o país mais hostilizado do planeta, o Brasil é um dos mais amados. Portanto, a aproximação do Brasil é também um marketing geopolítico para as novas pretensões americanas.

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