quinta-feira, 7 de abril de 2011

MASSACRE: INÍCIO OU FIM?




“Não seria esse excesso de agressões e  de violência gratuita que permeia grande parte dos programas de televisão, uma das causas do aumento da criminalidade no Brasil? Que influencia poderão ter dia após dia, ano após ano, programas tão violentos e sem nenhum conteúdo ético sobre mentes infantis e sobre pessoas de personalidade malformadas?
(Ex-governador de São Paulo, Mário  Covas)



                    Nesta triste quinta-feira mais um mito tombou.
                        Os massacres em escolas de países do primeiro mundo pareciam algo distante¹. Mas será que ainda há algo distante em um mundo globalizado? Em 1999, o massacre de Columbine nos EUA foi o primeiro. Rapidamente, outros casos se repetiram pelo mundo. Na China, bastou o primeiro ter coragem de invadir uma creche e esfaquear crianças, para em pouco tempo outras 5 creches serem invadidas. Já são 11 massacres com dezenas de vítimas em vários países, a maioria jovens ou crianças. A turbulência do psiquismo da tragédia cria uma enferma psicosfera que parece contaminar outras mentes desalinhadas.
                               Ademais, pessoas perturbadas identificam na visibilidade da tragédia uma chance de dar vazão pública para sentimentos como a raiva, o ódio e a vingança através de uma chacina teatral e midiática, que geralmente culmina com vários homicídios, com o suicídio do desinfeliz e a perplexidade geral.
                        Neste momento que você lê este artigo, há muitas pessoas desequilibradas alimentando pensamentos homicidas através da ampla cobertura da mídia. As ciências comportamentais sabem – embora não tenham todas as respostas – como a mente é influenciada pelo ambiente, pela cultura e por ídolos, mesmo que estes sejam jovens homicidas. Ou seja, este massacre pode ser o primeiro de outros por estas bandas. Tomara que não, mas pode acontecer. Há muita gente infeliz, solitária e perturbada por sentimentos destrutivos que podem ter fácil acesso a armas e, infelizmente, a escolas, universidades, lugares públicos. Em verdade, os massacres nas escolas são parte da violência como fenômeno mundial, o que inclui o suicídio, que tem aumentado significativamente no mundo todo. Em Brasília, shoppings têm protegido seus parapeitos com vidros para evitar que jovens voltem a se jogar dos andares mais altos.
                        Será que a vida tem algum sentido para estes jovens? 
                        Quantos estão pensando em se suicidar através de um espetáculo público de horror, armazenando um arsenal de armas potentes (no país que disse não ao desarmamento), esperando, quiçá, um exemplo a ser seguido, uma palavra de incentivo?   
                        Esta pungente tragédia nos põe a pensar no debate que se tem travado nos últimos dias em torno da liberdade de expressão. Após as lamentáveis declarações do deputado federal Jair Bolsonaro desrespeitando negros, gays e defendendo a tortura, logo surgiram os defensores da total e irrestrita liberdade de expressão, surfando no modismo pós-moderno (e imbecil) de querer mostrar-se diferente a qualquer custo e, neste caso, sob o sofisma de se defender a democracia e o direito de se expressar.
                        Fico me perguntando como seria se algum homem público saísse a defender da tribuna parlamentar o massacre ocorrido do Rio de Janeiro em nome da liberdade de expressão?
                        É esse o mundo que queremos?
                        Não quero este mundo para meus filhos.
                        Esta é uma visão míope e – mais que isso – irresponsável, que ignora a complexidade do ser humano e o poder de influência que a palavra tem, sobretudo, na boca de homens públicos e no estardalhaço da mídia sensacionalista. Disse o brilhante físico Isaac Newton: posso medir o movimento dos corpos celestiais, mas não a loucura das pessoas.
                        Com sentimentos ambivalentes e mente tumultuada, potenciais assassinos estão, por hora, duvidosos sobre o que fazer. Podem ser freados ou incentivados, ainda que em homenagem à “liberdade de expressão” ou ao suposto “direito de se armar”.
                        Ficam perguntas: quem poderia ter parado o jovem assassino? Um amigo atento, um psicólogo competente, um pastor amável, um policial corajoso ou uma família estruturada?
                        Fato é que os fatores de risco permanecem à disposição, como incubadores de insanidades: aumento dos distúrbios psiquiátricos; do bullying; da indiferença social; o culto à vingança e à violência; o fácil acesso a armas; a banalização da destruição da vida. Então surge outra questão: Como frear o próximo desequilibrado? Qual será a próxima escola?
                        Seu filho, seu sobrinho vai à aula amanhã? Nossas mães não terão mais paz, nossas escolas virarão presídios? Que mundo é esse que o fundamentalismo dos libertários tanto defende com argumentos irresponsáveis e indiferentes as consequências nefastas à sociedade?
                        Nosso sofrimento não trará de volta as crianças assassinadas, mas podemos evitar novas tragédias combatendo a marginalização de pessoas “estranhas”, o bullying, a desorientação dos jovens, a desestruturação familiar, o amplo acesso, porte e uso de armas, a cultura de glamorizar a violência e a vingança, a banalização da destruição da vida, a onda de suicídios, bem como a hipocrisia de se defender a total liberdade de expressão, quando se sabe que estúpidos podem incentivar assassinos.
                          Essa é hora de pesar, de vivenciarmos a dor coletiva, mas também de atitude.
                       




1. A rigor, não foi a primeira vez que aconteceu um ataque serial a escolas no Brasil. Mas este foi muito maior e com mais vítimas.        

segunda-feira, 21 de março de 2011

SOCIEDADE MUNDIAL DO GÊNERO HUMANO?

     


“Se eu soubesse de algo que  fosse útil a mim, mas prejudicial à minha família, eu o rejeitaria de meu espírito.
      Se soubesse de algo útil à minha família, mas não à minha pátria, procuraria esquecê-lo.
Se soubesse de algo útil à minha pátria, mas prejudicial à Europa, ou então útil a Europa, mas prejudicial ao Gênero Humano, consideraria isto como um crime.”
                  (Montesquieu)




          Quando o Brasil foi descoberto ainda vigia o uso geopolítico da força colonialista. Impérios desembarcavam em terras estrangeiras e massacravam seus nativos. Velhos, mulheres e crianças não eram poupados. Civilizações inteiras foram dizimadas, como as pré-colombianas.
          Cinco séculos depois, quando o homem mais poderoso do mundo, Obama, pisou nas terras brasileiras o mundo está mudado. O poderoso chefe de estado foi visitar a favela, abraçar crianças e rendeu homenagens ao povo brasileiro. Sim, a força dos impérios ainda é utilizada e foi, inclusive, autorizada do Brasil pelo Presidente dos EUA para intervenção militar na Líbia.
          Mas no discurso feito ao povo brasileiro, há uma mensagem histórica: estamos convergindo para uma nova forma de poder global.
          Dúvida não há que por trás do simpático discurso americano há interesses econômicos e geopolíticos[1] e o império tem interesse na manutenção do sistema. No entanto, há outro discurso, implícito, embutido nas entrelinhas da fala principal, que reconhece a inevitável ascensão de forças políticas multipolares e a profunda crise do sistema.
          Tem-se utilizado da expressão nova ordem mundial para identificá-la. E não faltam desconfianças e protestos[2]. Argui-se que essa expressão é a síntese de uma orquestração mundial das elites imperialistas para aniquilar a soberania dos países, acessar as riquezas nacionais e dominar o mundo.
          Todo estudioso sério da crise ambiental sabe que estamos rumando, perigosamente, para o colapso de vários ecossistemas e recursos naturais. Sob este aspecto, não é sensato subestimar a cultura colonialista dos impérios e a capacidade de manipulação do sistema.
          Contudo, teorias conspiratórias geralmente são afetadas por percepções tortas, supersticiosas e fundamentalistas. Então, também aqui a cautela é razoável.
          Convém ficar – apesar de tudo – atento ao que Fábio Konder Comparato chama de Sociedade Mundial do Gênero Humano, que refletiria o ideal aristotélico de polis como comunhão (koinonia) e não como mero agrupamento humano, onde o interesse global e coletivo prevalece sobre o particular e local. O profícuo jurista e pensador não só vê esta tendência, mas também a deseja como única saída para as gigantescas crises que aldeia global vai enfrentar nesta época de transição.
          Fato é que o discurso de Obama pode ser um marco desta nova Sociedade Mundial do Gênero Humano, porque tem como pressuposto filosófico – e até este momento eminentemente teórico - a igualdade dos povos, já declamada por Martin Luther King Jr, que o inspira. Não por acaso que o Brasil foi escolhido para o discurso, por representar a miscigenação dos povos, uma democracia vigorosa, uma cultura exuberante e a tolerância religiosa. Ele não falou apenas ao povo brasileiro, falou ao mundo. As citações de autores brasileiros e a remissão a fatos locais têm por o objetivo psicológico provocar a sensação de proximidade, de intimidade, tal como membros de uma mesma família, a universal. E, se for assim, talvez estejamos presenciando o início gestacional de um novo paradigma, de um sonho arquétipo de povo único, ainda distante, mas cuja fundação pode ter iniciado por aqui.



[1] A China passou a ser o primeiro parceiro comercial do Brasil, superando os EUA. A aproximação com o Brasil visa retomar o posto e também um alinhamento na política externa, para fazer frente à força chinesa e fomentar um afastamento de governos belicistas. Por outro lado, Obama não veio apenas ofertar carisma. Veio, antes, receber e se beneficiar do carisma e simpatia que o Brasil goza em todo mundo. Enquanto os EUA é o país mais hostilizado do planeta, o Brasil é um dos mais amados. Portanto, a aproximação do Brasil é também um marketing geopolítico para as novas pretensões americanas.

quarta-feira, 16 de março de 2011

A CAIXA NUCLEAR DE PANDORA


A grande tragédia da ciência: o  massacre de  uma bela hipótese por parte de um horrível fato.
        (Thomas Huxley, escritor)



            Vivemos um momento impar na história da humanidade marcado pelo acompanhamento em tempo real dos fatos. Outrora, sem os avanços dos meios de comunicação, era muito mais fácil iludir, manipular, esconder. Não obstante isso, o péssimo hábito de distorcer ainda vige. Desde o início do acidente nuclear no Japão o verbo mais recorrente nos pronunciamentos oficiais e reproduzido pela mídia é “controlar”. Com um pouco de atenção, não é difícil perceber a batalha incessante que está sendo travada pela semântica oficial e a realidade. Ocorre uma explosão e logo vem a nota oficial garantindo que o fogo está “sob controle”. Toneladas de fumaça radioativa vazam para atmosfera e logo surge a palavrinha mágica, afirmando que a liberação foi “controlada”. Os níveis de radiação se espalham a quilômetros de distância e ali está ela de novo: o governo vai “controlar” a radiação.
            Segundo o dicionário Houaiss, as acepções vernaculares para o verbo são:

1.    submeter a exame e vigilância estritos; fiscalizar, monitorar;

2.    exercer ação restritiva sobre; conter, regular

3. assegurar o controle imediato de (algo), por meio de reflexo motor, ou por habilidade

4. exercer poder, autoridade sobre (alguém ou algo); manter sob o próprio domínio; dominar.
(...)


            Com boa vontade, pode-se aceitar que o governo japonês e a empresa responsável pelas usinas estejam conseguindo controlar a situação, mas conforme as duas primeiras acepções do verbo, acima referidas. Contudo – a questão capital – é que se está usando o verbo controlar não no sentido de se estar fiscalizando ou tentando conter, mas no sentido de ter domínio da situação, de ter habilidade e autoridade para frear e neutralizar os riscos (acepções 3 e 4). Neste sentido, o que há é o velho costume de distorcer a realidade e um esforço gigantesco de embaçá-la através da semântica.
            Neste triste desastre, as palavras e a realidade estão divorciadas e a primeira vítima foi a verdade. Falar em controle da situação com progressiva evacuação, com sucessivas explosões, com crescentes vazamentos, contaminações e vítimas é um ataque à razão.
            Oponho-me à energia nuclear também por isso. Não há eficiente controle possível quando a caixa nuclear de pandora é aberta. O que se tem – e é visível neste episódio – são incertezas, medidas paliativas e tentativas desesperadas e desumanas[1] de evitar uma catástrofe colossal, sempre e sempre potencialmente presente em qualquer usina atômica. Não bastasse isso, a radiação tem uma peculiaridade perversa. É um inimigo invisível, incolor, inodoro, imprevisível. Partículas atômicas se espalham pelo ar, na água superficial e subterrânea, em animais, alimentos, em objetos inanimados, no núcleo de nossas células e na mente da população exposta. Seus vetores de contaminação são amplos e o tempo de radioatividade da maioria dos elementos é quase infinita, se comparada aos parâmetros humanos. Por tudo isso, a dimensão dos estragos só pode ser aferida muitos anos depois, não raro atingindo gerações futuras.
            Some-se a isso que desastres atômicos despertam uma das forças mais potentes, primárias e nocivas do ser humano: o medo atávico. Diante de um inimigo tão poderoso, perverso e invisível o universo psico-emocional das pessoas é massacrado, sobmetido à tortura das piores incertezas, que afeta decisões simples, como consumir uma água suspeita, até aspectos centrais de suas vidas como decidir sobre o futuro, inclusive sobre abandonar sua cidade natal e sobre o risco de ter filhos, onde se tenha havido grande exposição à radiação. Importante dizer que o medo da radiação é daqueles raros, que vazam da mente individual e contaminam a atmosfera psíquica coletiva e promovem um estado geral de sofrimento, ansiedade e desespero.
            O simples risco de um desastre atômico paralisa e sufoca a economia interna e externa, afetando em cadeia todos os segmentos da sociedade e, geralmente, deságua no desabastecimento da população do entorno, que se vê privada do básico para sobreviver. E se tudo isso está acontecendo num dos países mais desenvolvidos do mundo, um líder em tecnologia de ponta, um dos mais preparados para estes desastres, com um povo educado, paciente e organizado, que esperar de acidentes nucleares noutras partes do planeta?
            Destaco, por fim, outros dois motivos pelos quais repudio a energia nuclear. Primeiro é de natureza ética. Não há qualquer justificativa ética – sequer razoável - para deixar para as futuras gerações verdadeiros lixões atômicos, repletos de rejeitos radiotivos que estarão ativos por milhares de anos, sempre aptos a libertar o desastre. Segundo, o acidente nuclear do Japão provou – mais uma vez – os limites da Ciência e da tecnologia. Até então o que se pregava era a segurança total[2]. Não apenas isso é mentira, como também está se provando que aberta a caixa nuclear de pandora, tudo pode acontecer, algum “controle” ou o desastre. O que se vê, ao vivo, é a realidade conduzindo o funeral de mais um mito, de outra falácia. Tomara que a vida replique a mitologia grega e no fundo da caixa de pandora encontremos a esperança.
 

 

[1] É justo, ético e correto expor e, por vezes condenar, dezenas de trabalhadores - que são pais de famílias - à morte nas tentativas de evitar o desastre total?
[2] Agora, pós-acidente, começam a pipocar os vários riscos que existem à segurança de usinas nucleares, tais como desastres naturais, acidentes técnicos e humanos, ataque de rackers, ataques terroristas, etc...

O professor José Goldemberg fala sobre o acidente nuclear no Japão




Um dos cientistas mais respeitados do mundo no assunto ajuda a cavar a cova do mito de segurança da energia nuclear.

terça-feira, 15 de março de 2011

Crise de referência e o cemitério de idéias


Não é triste mudar de idéias, triste  é não ter idéias para mudar.
(Barão de Itararé)
                  


      O que é a verdade? Perguntou Pilatos ao Cristo.
      O então “prisioneiro” Jesus enfiou o olhar na autoridade do Império Romano e, pondo-o no seu devido lugar, posicionou-se altivo, ofertando-lhe a mais sábia das respostas a cardeal questão: _... o silêncio.
      É, por certo, o silêncio mais enciclopédico da história da humanidade.
      Nestes tempos de farta comunicação, a moda é ser opiniático.
      Fosse hoje e Pilatos tivesse feito esta pergunta numa rede social, ficaria perturbado com a quantidade e diversidade de respostas professorais que receberia.
      Atualmente, todo mundo tem uma pitadinha para ofertar sobre os mais diversos assuntos. Não falo apenas de leigos, falo também de “especialistas” com suas visões micro do macro.
      Não raro, este tsunami de opiniões deságua no nada, na inutilidade.
      Antes, porém, deixa um rastro de dúvidas, de incertezas, de conceitos deturpados, de teorias infundadas e – o pior de tudo – consolida uma forma de pensar acrítica, açodada, intolerante, minimalista e muitas vezes tendenciosa.
      O que é verdade hoje, amanhã se revela uma farsa ou um erro grosseiro.
      Lado outro, não cansamos de ver o impossível tornar-se real e o que era irracional ser guindado ao rol das verdades óbvias.
      No campo das ideias, o terreno está cada vez mais movediço e não faltam teorias enfermas, em estado terminal, precisando da extrema-unção. A rigor, está cada vez mais difícil saber quem está com a razão. É este fenômeno pós-moderno que chamo de crise de referência.
      Todos os dias, diante de nossos olhos pululam cortejos fúnebres de “verdades” mortas. Diante de tantas “verdades” sem vida e insepultas e visando garantir a higiene psico-emocional de algumas mentes, resolvi criar este blog. Ele bem poderia ser chamado de cemitério de ideias. Mas resolvi dar-lhe um nome mais convidativo, mais provocante e, com isso, não afastar leitores medrosos e supersticiosos.Talvez tenham alguma razão, pois não é fácil sepultar uma ideia, uma teoria e, principalmente, aquelas que se diziam eternas por terem aprisionado a verdade. Muitas se tornam fantasmagóricas e vivem a assombrar os incautos, deixando-os confusos e vulneráveis à manipulação.
      A proposta é desmistificar fatos, identificar ideias e teorias enfermas, em estado terminal e as mortas-vivas, que precisam de um sepultamento digno.
      Não é, portanto, um blog para quem tem medo de rever suas “verdades”.
      É um espaço de reflexão para quem tem medo de ser vítima de uma ideia-morta, de uma tola ignorância ou de uma manipulação bem orquestrada.
      Ninguém busque aqui verdades absolutas ou comodidade intelectual.
      Pensar é, por natureza, um estado ambivalente. Enluta-nos sepultar ideias e regozija-nos ajudar a concebê-las seminais e pô-las em parto.